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Hospital Roberto Santos tem fila de espera por cirurgia que chega até nove meses


Funcionários denunciam falta de anestesistas; regulação também enfrenta problemas

O HGRS é o maior hospital público da Bahia em atendimento de média e alta complexidade e possui mais de 640 leitos - Foto/Divulgação


À espera da retirada de tumor cerebral desde fevereiro, quando foi internado no Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), em Salvador, a busca pela cura não tem sido fácil para o agente de limpeza Gilvan Henrique dos Santos, 38 anos. Sem intervenção cirúrgica mesmo após meses de internação, em abril, ele foi transferido de volta para Jequié, onde mora, porque estava com trombose. A previsão era que Gilvan retornasse ao maior hospital público da Bahia em outubro, mas não conseguiu regulação, muito menos realizar a cirurgia marcada no início do ano.


A situação de Gilvan não é isolada. Funcionários do HGRS, que preferem não se identificar, informaram que o internamento está cheio e que a demora na regulação se deve à falta de médicos anestesistas. "Muitas pessoas vêm e voltam para o interior porque não conseguem realizar procedimento. As cirurgias eletivas não acontecem por isso e todo mundo de dentro do hospital sabe. Pode até entrar em colapso por falta de administradores se continuar assim", diz um funcionário.


A demora, seja para regulação ou realização de cirurgias eletivas, conta no agravamento do quadro clínico dos pacientes que aguardam. "Fiz uma consulta na última segunda-feira (28) e o médico mal olhou para mim ou meus relatórios. Estou com dores fortes de cabeça e agonizando. Tenho falta de ar, sonolência e dores no corpo que às vezes não me deixam levantar da cama. Meu caso é de urgência. Não sei como estou vivo, só sei que estou aqui falando pela misericórdia de Deus mesmo", lamenta Gilvan. Ele não foi regulado após a consulta e teve que retornar para Jequié.


Segundo um funcionário, a direção afirma que há determinado número de anestesistas no hospital, mas o número, na prática, é menor. "E isso já tem mais um mês dessa maneira", aponta ele. Há dois meses internada no HGRS, Carmelita Maria de Jesus, 57, teve cinco cirurgias agendadas e depois desmarcadas pelo mesmo motivo, falta de anestesistas. Diagnosticada com tumor na hipófise, na região cerebral, o avanço da doença causou perda total da visão e ainda pode se espalhar para outras partes do corpo, afetar articulações e causar diabetes.


A delonga preocupa a família. “Minha mãe começou a ter crise emocional, febre e vômito por causa dos cancelamentos. Ela já está no limite”, diz Gislane Souza, 29, filha de Carmelita. “Dizem que não tem anestesista e que, para fazer cirurgia dela, precisa ter anestesista e leito na UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Mas eu creio que tem [leito], só que colocam quem chega na emergência na frente enquanto minha mãe vai piorando”, reclama.


“A primeira vez [da preparação para cirurgia] minha mãe ficou sem almoçar, beber água, café, na segunda também. Aí colocam no soro, fazem todo procedimento mas depois cancelam [a cirurgia]”, revela.


Na esteira dos pacientes internados, há 36 dias o jovem Iuri Silva Novais, 16, transferido do Hospital de Base, em Vitória da Conquista, para a capital baiana aguarda cirurgia para corrigir um problema na aorta do coração. O procedimento foi feito ainda no mês passado e considerado bem sucedido pelos médicos.


O paciente, no entanto, não deixou de sentir dores e acumulou outros problemas. “Mesmo com eles dizendo que a cirurgia deu certo. Depois, piorou porque pegou trombose e pneumonia aqui, coisas que ele não tinha quando estava lá", conta o pai de Iuri, o vigilante João Gualberto Faria, 68.


A mãe do jovem, Maria Aparecida da Silva, 50, afirma que os responsáveis disseram a eles que outro procedimento deveria ser feito. Desde então, porém, eles aguardam sem que haja uma estimativa de quando o filho passará por uma nova cirurgia. "Está demorando muito. Queria a regulação para Vitória da Conquista que lá pode fazer também e é mais fácil. Aqui está sendo muito difícil pra mim e não resolve", diz a dona de casa.


"Tem todo um pessoal lá dentro na mesma situação, esperando por uma resposta deles para operar. Estamos na mesma luta, mas está muito complicado viver sem saber quando vai ser", completa João Gualberto.


Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), Otávio Marambaia, a situação é “crônica” e a entidade recebe com frequência denúncias sobre demora na regulação devido ao baixo número de médicos anestesistas. Em junho, Marambaia publicou carta aberta em protesto às condições de serviço de anestesiologia do HGRS.


Para o presidente do Cremeb, o cenário acontece em razão da falta de fiscalização do estado, cuja contratação para hospitais é feita através de terceirizações. “Não é que faltem médicos, falta que o governo tome providências necessárias. Simplesmente colocam intermediários, [sendo que] tem problemas com contratação de anestesista há muitos anos”, afirma.


“Um hospital geral como Roberto Santos não ter anestesista em número suficiente é uma tragédia. É o hospital mais importante da rede pública de saúde, e onde se atendem casos de alta complexidade”, destaca.


Outro lado


O HGRS informou que as cirurgias, incluindo eletivas, continuam acontecendo e não há desassistência dos pacientes, contudo, reconheceu que a unidade não está com o quadro completo de anestesistas. Já a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), responsável pelo hospital, atestou em nota que a unidade está lotada. "Por realizarmos o tratamento de pacientes com perfis de alta permanência, as taxas de ocupação na unidade são elevadas".


A pasta negou ainda que exista uma falta de insumos e informou como funciona a regulação. "Para que um paciente não internado passe por cirurgia, é necessário o surgimento de leito adequado à necessidade clínica. Posteriormente, a convergência de uma série de fatores, como insumos, reserva de leito de UTI, equipe especializada [...]", alega.


A Sociedade de Anestesiologia da Bahia disse que está aguardando anúncio do governo e hospital sobre medidas a serem tomadas, visto que os anestesiologistas precisam ser contratados por meio de licitação. O Sindicato dos Trabalhadores em Saúde do Estado da Bahia (Sindsaúde) informou não ter conhecimento sobre o assunto.


Residentes de anestesiologia ameaçam paralisação a partir de 6 de dezembro

Os residentes de anestesiologia do HGRS planejam iniciar paralisação das atividades em 6 de dezembro por conta da crise vivida no ambiente hospitalar, afirma o presidente do Cremeb. Os médicos estão, junto ao Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia (Sindimed), organizando as etapas judicialmente e deram prazo para o hospital resolver as demandas. Caso não haja resolução dentro da validade, haverá suspensão das atividades.


“É uma situação caótica provocada pela ruptura na escala de plantonistas anestesistas. Tem dia que só tem um plantonista num centro cirúrgico com 10 salas, um centro obstétrico com duas salas e de hemorragia digestiva que tem inúmeras salas. Então observa-se o cancelamento de vários procedimentos”, elucida um dos médicos à frente do movimento, que pediu anonimato.


Ele conta que as cobranças dos residentes são referentes a melhorias na qualidade de formação dos médicos residentes de anestesiologia e manutenção do credenciamento da classe na Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) - que emite uma espécie de selo de qualidade, este, perdido pelo hospital em 2022.


Além da perda do certificado, a demissão do coordenador da residência há dois meses intensificou as revoltas e culminou na saída de preceptores - médicos que orientavam os residentes -, minando a escala dos anestesistas.

 

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