Especialistas em vírus temem que a curva descendente de casos nos Estados Unidos possa se inverter rapidamente, graças à multiplicação de novas cepas
Pessoas em fila para teste de Covid-19 em Oklahoma City, nos Estados Unidos - 11/01/2022 - REUTERS/Nick Oxford
Uma onda de novas variantes da Covid-19 parece estar ganhando força a nível global, aumentando os receios de aumento de casos, sobretudo no Hemisfério Norte, que se aproxima do inverno.
Nos Estados Unidos, elas são as variantes BQ.1, BQ.1.1, BF.7, BA.4.6, BA.2.75 e BA.2.75.2. Em outros países, a variante recombinante XBB tem tido um aumento rápido e, aparentemente, é a responsável por uma nova onda de casos em Singapura. Há também números crescentes na Europa, em especial no Reino Unido, onde tais variantes se fixaram.
O médico Peter Hotez, que codirige o Centro de Desenvolvimento de Vacinas no Hospital de Crianças do Texas, diz que pensa nelas como “variantes Scrabble”, porque elas usam letras como Q, X e B, que obtêm pontuações altas no jogo de tabuleiro de palavras cruzadas chamado Scrabble.
Nos Estados Unidos, em pleno outono, os casos de Covid-19 têm caído. Normalmente, isso daria a esperança de que o país pudesse escapar dos surtos das duas últimas pandemias de inverno. Mas os especialistas em vírus temem que a curva descendente possa se inverter rapidamente, graças à multiplicação de novas variantes.
Juntas, as variantes representaram quase um em três novas infecções por Covid-19 em todo o país na semana passada, de acordo com as últimas estimativas dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA.
Espera-se que as doses de reforço das vacinas bivalentes atualizadas e medicamentos antivirais como o Paxlovid continuem a ser protetores contra resultados graves trazidos pelas novas variantes.
Mas elas são particularmente devastadoras para milhões de norte-americanos que têm o sistema imunológico enfraquecido. Uma nova pesquisa sugere que as alterações nessas variantes as tornaram impermeáveis aos últimos anticorpos criados em laboratório e disponíveis para ajudar a tratar e a prevenir casos graves de Covid-19. Ao mesmo tempo, o governo dos EUA ficou sem verba para incentivar a criação de novos anticorpos.
Muitas variantes em ascensão
Não está claro se esse grupo de novas variantes continuará trabalhando em conjunto, cada uma responsável por uma fatia do total de casos de Covid-19, ou se uma subirá para superar as outras, como aconteceu em surtos anteriores. Embora cada uma delas seja resultante de ramos ligeiramente diferentes da árvore da família Ômicron, as novas ramificações evoluíram compartilhando muitas das mesmas mutações, um fenômeno conhecido como evolução convergente.
Alguns especialistas acham que essa convergência significa que entramos em uma nova fase da evolução do vírus, que trará a circulação de várias variantes ao mesmo tempo.
“É provável é que tenhamos várias linhagens cocirculantes e semidominantes entrando na temporada de inverno”, afirmou Nathan Grubaugh, professor associado de epidemiologia na Escola de Saúde Pública de Yale.
“Com uma evolução convergente, talvez várias linhagens diferentes possam obter de forma independente níveis de transmissibilidade semelhantes, contra uma única nova variante assumindo o controle”, continuou.
“É o que acontece predominantemente na maioria dos agentes patogênicos, como a gripe e o VRS (vírus sincicial respiratório)”, escreveu Grubaugh num email. “Agora que o vírus se adaptou muito bem à transmissão humana, a maior parte do que circula está em boa forma”.
Maria Van Kerkhove, líder técnica da resposta à Covid-19 na Organização Mundial de Saúde, disse na quarta-feira (19) que a grande variedade de novas variantes não estava sendo fácil de avaliar pela OMS, já que os países diminuíram a vigilância sobre a doença.
“Acho que precisamos estar preparados para isso. Os países precisam estar em condições de fazer vigilância, lidar com aumentos nos casos e talvez com ondas e hospitalizações. Ainda não vemos uma mudança de gravidade. E nossas vacinas permanecem eficazes, mas temos de permanecer vigilantes”, comentou a cientista.
Inação dá vantagem ao vírus
Por enquanto, a subvariante BA.5 da Ômicron ainda é a mais frequente nos EUA. De acordo com as estimativas do CDC, ela causou cerca de 68% de novas infecções no país na semana passada, mas está rapidamente sendo ultrapassada pela concorrência de várias novas linhas de infecção – no caso, a BQ.1 e a BQ.1.1.
As BQ causaram, cada uma, apenas 6% de novas infecções nos EUA na semana passada. No entanto, nas últimas semanas, a percentagem de novas infecções de Covid-19 provocadas por esses vírus duplicou a cada seis em sete dias – uma taxa de crescimento rápida em comparação com a BA.5 , que já é um vírus bastante eficaz, como diz o doutor Anthony Fauci, que dirige o Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.
Além disso, são apenas duas da nova safra de descendentes da Ômicron ganhando força.
“As projeções variam um pouco, mas, no geral, a maioria das pessoas acha que em meados de novembro elas representarão uma parcela substancial e terão ultrapassado a BA.5 como a variante dominante”, detalhou Fauci à CNN.
Essas variantes são diferentes da BA.4 e da BA.5, mas descendem desses vírus, resultado da deriva genética. Assim, eles compartilham muitas partes dos seus genomas com esse vírus.
As mudanças não estão na escala do que aconteceu quando a Ômicron original chegou em novembro de 2021. Essa estirpe do vírus saiu do campo genético, deixando os cientistas e os responsáveis pela saúde pública ocupados em recuperar o atraso.
Fauci diz que desta vez, estamos tão prontos como poderíamos estar para o novo lote de variantes. “Não é tão diferente da BA.5, que as pessoas achavam que escaparia completamente da proteção da vacina” – ou seja, basta as pessoas se vacinarem, disse Fauci.
A vacina de reforço bivalente, autorizada em setembro nos EUA, protege contra a cepa original do coronavírus, bem como as subvariantes BA.4 e BA.5.
“Temos uma vacina bivalente para BA.5 atualizada como reforço e pedimos que as pessoas a tomem. Ela combate a variante ainda dominante, que é a BA.5, e quase certamente terá um grau razoavelmente bom de proteção cruzada contra a BQ 1.1 e outras. Ainda assim, a adesão a estas vacinas, em pleno meio de outubro, é decepcionante”, lamentou.
De acordo com os últimos dados do CDC, 14,8 milhões de pessoas tomaram o reforço bivalente atualizado durante seis semanas de campanha. É menos de 10% da população elegível para recebê-la.
A má aceitação das novas doses de reforço, combinada com a evasão imunológica das novas variantes e o declínio da imunidade populacional, é quase certamente uma receita para o aumento de casos e hospitalizações nas próximas semanas.
“Provavelmente esta será bem maior do que a onda da BA.5”, afirmou Mark Zeller, um cientista de projeto que monitora variantes no Instituto de Pesquisa Scripps.
Mas Zeller diz que não espera que a onda deste inverno alcance as mesmas alturas da onda da Ômicron, em janeiro deste ano.
Já o pediatra Hotez diz que as pessoas não devem entrar em pânico com estas notícias, mas sim prestar atenção.
“Temos um desempenho fraco como nação em relação às doses de reforço”, lamentou Hotez.
As alterações genéticas que essas variantes compartilham parecem ajudá-las a escapar à imunidade criada por vacinas e infecções passadas – uma receita para reinfecções e infecções de escape, especialmente para pessoas que não receberam um reforço atualizado.
Terapias críticas podem deixar de funcionar. Algumas das variantes também parecem ser impermeáveis aos últimos anticorpos criados em laboratório disponíveis para evitar infeções graves por Covid-19. São eles um tratamento de anticorpos chamado bebtelovimab, que é feito pelo laboratório Eli Lilly, e a combinação de dois anticorpos de ação prolongada do Evusheld, uma injeção feita pela AstraZeneca que ajuda a evitar a doença em pessoas imunocomprometidas.
Se esses anticorpos deixarem de funcionar contra o vírus, os Estados Unidos continuarão usando medicamentos antivirais Covid-19, como Paxlovid, Molnupiravir e Remdesivir, para ajudar os casos de risco de complicações graves.
Mas as terapias com anticorpos são particularmente importantes para as pessoas com função imunológica enfraquecida por medicamentos, doenças ou idade. São as mesmas pessoas cujos corpos não respondem com firmeza às vacinas.
Os anticorpos também são necessários para ajudar aqueles que não podem receber terapias antivirais devido a possíveis reações com outros medicamentos.
O coordenador de resposta à Covid-19 da Casa Branca, doutor Asish Jha, diz que o governo federal estimulou o desenvolvimento de novos anticorpos monoclonais durante a pandemia, prometendo comprar novas terapias depois de elas estarem prontas.
Só que, segundo o médico, o governo já não consegue fazer isso porque o Congresso se recusou a aprovar financiamento adicional para a resposta à Covid-19.
Como resultado, o desenvolvimento de novos anticorpos – e de outras novos tratamentos – está menos desenvolvido. “Portanto, mesmo que tenhamos dinheiro hoje, demoraríamos muitos meses para trazer um monoclonal para o mercado e, de qualquer forma, não temos mesmo dinheiro hoje”, disse à
CNN.
Jha declarou ainda que isso significa que o país está enfrentando o outono e o inverno com um arsenal menor de combate ao vírus, exatamente quando necessita expandir suas opções.
“Não há uma opção monoclonal pronta para amanhã que pudéssemos simplesmente comprar na farmácia”, analisou.
Os anticorpos são uma aposta fraca para as empresas farmacêuticas porque são necessários milhões de dólares de investimento para produzi-los e porque o vírus evolui tão rapidamente que eles podem perder a eficácia em questão de meses.
“Trata-se de um terrível modelo empresarial”, afirmou Jha. O governo tem pensado em formas de comercializar algumas partes da resposta do Covid-19 [e sair do negócio da compra de vacinas e terapias], transferindo os custos para os consumidores e seguradoras. No entanto, Jha expõe que o processo tem de ser orientado pelas “necessidades da vida real e as realidades do vírus”.
Ele explica que o cenário atual exige que o governo continue incentivando a produção de novas terapias, e espera que o governo de Joe Biden tente novamente pedir ao Congresso que aprove mais financiamento.
“A verdade é que, se queremos que os monoclonais protejam as pessoas de alto risco – o que fazemos – então, neste momento, dada a velocidade da evolução viral, o governo dos EUA tem de ser um dos principais atores nesse papel”, afirmou. “O mercado não pode cuidar disso sozinho”.
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